POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA
CAPÍTULO 8
Novembro
nem acabou e a cidade já está enfeitada para o natal. Da janela do Voyage vejo
famílias já no clima festivo – O natal para mim é uma data muito especial, mas
esse ano será esquisito, porque minha mãe não vai estar comigo para decorar
nossa árvore.
Não
posso deixar que a saudade afete meu humor, não quando ao meu lado tem um
garoto hilariante que não parou de contar piadas desde a hora que saímos de
casa.
–
Adivinha essa! “O que fazer para um passarinho extravasar em risos?” –
Perguntou Lucas, já rindo antes do desfecho da piada.
– Essa
é fácil! Chamamos você pra contar piadas de aves! – Ironizei.
– Pode
ser, mas a resposta não é essa – Ele olhava a rua esperando a resposta.
– Sei
lá! Conta aí!
– Ok!
Para um passarinho extravasar em risos você só precisar jogar ele na parede...
O bichinho vai “rachar o bico” – O garoto com certeza estava forçando a
gargalhada... A piada nem era tão boa assim – Entendeu? “Rachar o bico”.
Enquanto
ele ficava tagarelando sobre as origens de suas piadas eu fitava a brilhante
noite dos pisca-piscas. Lembrei-me do natal do meu decimo quinto aniversario que
ele passou comigo e minha mãe – Não sei o que Lucas gostava tanto em Peruíbe
que fazia com que ele fosse pelo menos uma vez por mês nos visitar... Só sei
que era muito reconfortante tê-lo conosco, nós duas nunca nos sentíamos
sozinhas.
Lucas
mesmo com seu jeito brincalhão nunca deixou a maturidade. Assim que terminou o
colégio entrou na faculdade de Direito e sem que Ricardo soubesse, o filho conseguiu
um estagio como assistente júnior na empresa onde pai é presidente. O garoto não queria ser beneficiado, fez
todas as etapas como qualquer jovem faria para tentar entrar, assim ele não
seria jugando por ter conseguido a vaga por causa da influência do pai. Lucas não parece fazer as coisas pensando em
agradar a todos, mas seu carisma e serenidade são tão notórios que é difícil
não sorrir quando ele está perto.
–
Beck! Vamos? Chegamos! – Diz Lucas, interrompendo meus devaneios.
Ele me
fitava com aqueles olhos convidativos de sempre e sorria pra mim com toda
meiguice que tens – Me Tremi inteira.
O
manobrista levou o carro para o estacionamento, Lucas segurou minha mão e me
levou para a entrada do estabelecimento, notei que ele puxava uma case e carregava
no ombro um estojo de guitarra, certamente ele pegou esses objetos enquanto em
enrolava para sair do Voyage.
– Hoje
é um grande dia pra mim... Por isso eu trouxe você comigo, espero que goste –
Ele fitava o gigantesco luminoso que estava escrito, O Bar Vikings, ele estava hipnotizado.
O bar
estava localizado no centro de São Paulo, na esquina de uma avenida muito
movimentada, a Vikings pegava quase um quarteirão inteiro... Com certeza não
precisa ser adivinho para julgar que O Bar Vikings é para clientes acostumados
a pagar 100 ou 150 reais numa dose de uísque... Ou até mais.
Um
grupo de rapazes acena para Lucas, ele reconhece os rostos e vai de encontro.
Minha
cabeça está um turbilhão... Juntemos os fatos. Lucas me leva para um bar no
centro da cidade com uma case e um instrumento, depois encontra mais três
garotos com mais equipamentos, com certeza o encontro deles foi premeditado.
Qual parte de sairmos juntos eu ainda não entendi?
–
Beck! Vem aqui! – Veja só! Eu ainda não estava invisível.
Aproximei-me
do Lucas, mas não tão perto, eu estava evitando especulações sobre existir um
vinculo entre nós dois, um vinculo intimo demais.
– Quero
que você conheça a banda... Rock Urbano!
Ele
começou pelo gordinho.
– Esse
é nosso baterista, Guto, o magricela e o Ramon, vulgo Tripa Seca nosso
baixista... “E o quatro olhos” é o Barata...
– Por
que Barata? – Perguntei para sujeito de cabelos enferrujados, mas foi Lucas quem
respondeu.
– É
porque ele tem certo desafeto com esses insetos tão... Incompreendidos, Não é
mesmo Batata meu filho? – Lucas apertava a bochecha do menino tímido.
– E o
que você faz na banda, Barata? – Mas uma vez Lucas foi intrometido.
– Ele
fica na percussão.
–
Obrigado Lucas, mas se continuar respondendo pelo Barata vou pensar que o
garoto e mudo – Fingi estar seria, mas não consegui conter o riso quando notei
a careta de Lucas que logo sorriu para mim com uma intensidade mais desconcertante.
Os garotos estavam rindo juntos e nesse
contratempo Guto deixou escapar:
–
Tenta ficar frio Lucas... Porque você está queimado.
Lucas
deu uma chave de braço no gordinho e beijou sua bochecha redonda.
–
Gordinho gostoso! – Lucas brincava com Guto que correu para o lado dos outros
companheiros.
Eu não
percebi que estava rindo de novo, Lucas realmente tinha o dom de fazer as
pessoas ao seu redor ficarem felizes... E era olhar nos olhos das pessoas para
ver o carinho que todas tinham por ele. Lucas é muito querido.
– E
você, Princesa? Qual é o seu nome? – Quem perguntava era Ramon, o baixista da
“Rock Urbano” que se deslocou do grupo para falar comigo.
–
Vamos combinar uma coisa? Vamos deixar a “Princesa” no castelo dela... Então
deixo você me chamar de Rebeca. Tudo bem? – Particularmente eu não gosto que me
titulem de “Princesa”, “Mina” ou “Garota”, mesmo que a pessoa não tenha a
intenção... Para mim esses substantivos soam arrogantes.
–
Gostei! Isso mostra que você tem atitude... Admiro “pacas”.
Estou
aliviada por Ramon ter entendido, pois não tenho a intenção de jogar um balde
de água fria nesse clima tão legal. Para provar isso eu arrastei ele para mais
perto do grupo, mas os garotos já estavam com o clima alterado.
– Ele
não atende – Disse Lucas preocupado.
–
Tenta de novo! – Insiste Guto.
– Eu
já tentei, mas cai na caixa postal.
– O
que houve? – Ramon tira as palavras da minha.
–
Flavio não atende o celular, não avisa se vai atrasar e a única coisa que eu
sei é que temos somente vinte minutos para começar.
– Já
tentou ligar na casa dele – Pergunta Ramon.
–
Estou tentando, mas também não atende – É Guto quem responde.
Os garotos estavam tensos, Lucas andava de um lado para o
outro com o celular na orelha – Impulsivamente seguro o braço dele e em
resposta ele me fita desajeitado.
– O
que está acontecendo? – Eu já tinha ideia do que estava rolando, mas eu
precisava desacelerar Lucas.
–
Desculpe. Tudo isso era para ser uma surpresa... Este bar é de um cliente muito
importante do meu pai, quando eu percebi que havia shows ao vivo aqui pedi a
ele que desse uma oportunidade para a nossa banda se apresentar. Disse a ele que
não precisava pagar, pois a intenção era mostrar nosso trabalho... Como amigo da família ele não pensou duas
vezes ao aceitar...
Lucas
deu uma pausa para recuperar o fôlego.
– Acontece
que o Flávio, o nosso vocalista, ainda não chegou e não podemos nos apresentar
sem um vocal... Às vezes o Barata faz a segunda voz, mas nada que se compare...
É
claro que Lucas esperava uma alternativa, mas a única coisa que eu consegui
pensar foi em tranquiliza-lo, mesmo que fosse temporariamente.
–
Flávio com certeza deve estar preso no trânsito, isso e tão comum acontecer,
não é mesmo? – Lucas deu de ombros – Por que você não entra com meninos e vão
montando tudo? Assim que Flávio chegar... Já vai estar tudo pronto.
Dito e
feito, os garotos estavam mais confiantes na ideia que eu plantei – Espero
estar certa.
Confesso
que esperava um passeio mais tradicional, como ir ao cinema, fazer um tour pela
cidade ou até mesmo tomar um cafezinho na padaria, mas ajudar ele a preparar os
instrumentos no palco era o lugar onde eu deveria estar.
Os
minutos estavam passando e Lucas não conseguia disfarçar o nervosismo, foi
quando Guto apareceu e disse sem nenhum suspense.
–
Tenho más noticias, Flávio pegou uma virose e não virá, ainda está no hospital
tomando medicação... O que faremos agora?
Lucas
deixou o que estava fazendo e levou as mãos para a cabeça soltando um logo
suspiro.
– Não
podemos fazer o show sem Flávio... Imprevistos acontecem, a gente tem que
aprender lidar com isso.
Quem
Lucas queria enganar? O grupo estava decepcionado, até pude ouvir alguém dizer
algo sobre “desistir dessa palhaçada”, mas como podem pensar assim? Desistir só
porque não tem um vocal? Eu mesma poderia substituir Flávio...
É
claro! Eu podia fazer isso, até fiz isso uma vez no colégio... É claro que hoje
o publico é outro, mas não deve ser tão diferente, não é mesmo?
A
minha ideia pode ser uma maluquice, mas é a única que eu tenho para tentar
salvar o show.
Eu
estava tão presa ao meu pensamento que não percebi que Lucas estava pronto para
anunciar o cancelamento da apresentação, mas foi o choque de adrenalina que me
impulsionou para falar.
– Eu
posso cantar – Minha voz saiu tão baixa que ninguém me ouviu – Eu posso cantar
gente – Será que ninguém está me ouvindo – CALEM A BOCA DROGA! – Agora eles
estavam me ouvindo.
Ele
veio a mim e acariciou meu rosto, Lucas estava sereno de novo.
–
Beck, não chore – Que Droga! O que esta lagrima está fazendo aqui.
– Me
solta! – Livrei-me bruscamente das mãos de Lucas e descarreguei minhas palavras
– Escutem, não cancelei o show... Eu posso cantar...
–
Mas... – Começou Ramon.
– Mas nada! Confiem em mim, vocês não tem alternativa.
A verdade é que eles tinham uma segunda
alternativa... Poderiam cancelar a apresentação, mas Lucas queria tanto que
esse show acontecesse, olhos dos meninos brilhavam tanto que... Eu não tive
alternativa. Eles não precisavam acreditar em mim, pois eu mesma não estava tão
confiante, mas acreditaram e agora eu tenho que valer minha promessa. Que
comesse o show.
Lucas me mostrou a lista do repertório, tive a
sorte de conhecer cada faixa e os garotos me deixaram a vontade para organizar
as canções, então eu escolhi começar com uma que poucos conhecem... Mas que
para mim é um hino, hino que cantei frente ao espelho no dia que resolvi mudar.
“Playing God” (Brincando de Deus) do Paramore.
Ramon começou a tocar as primeiras notas e eu
já estava de olhos fechados, mentalizando a canção da minha redenção, me
preenchendo de fé, me completando. Abri os olhos e comecei a cantar.
Eu sabia que uma multidão estava me fitando,
mas e daí, eu estava cantando com uma banda de verdade... Com garotos legais
pra caramba... Com o Lucas, que conseguiu me proporcionar a melhor noite de
todas.
Terminei a canção. Não estava sonhando, o
alvoroço era para nós, estavam nos aplaudindo...
– Você conseguiu! Você Conseguiu! – Lucas me
apertava em seus braços, à eletricidade de seu corpo me arrepiou.
– Nós conseguimos... Todos nós – Eu o
lembrava.
Lucas estava emocionado, ele libertou as mãos
de minha cintura, pegou o microfone e falou.
– Olá pessoal, hoje está sendo a melhor noite
da minha vida, pois consegui reunir meus melhores amigos, meus melhores
parceiros para concretizar um sonho que estava preso dentro de uma garagem...
Estamos felizes, estamos realizados, sim, estamos, mas a banda a de convir
comigo que isso não teria acontecido se essa mocinha aqui... – Lucas pegou na
minha mão e me levou para o meio do holofote –... Não tivesse, com sua coragem,
nos arrastado para esse palco e mostrado, não só para vocês como também para
nós, o talento grandioso que tens. Por isso é com orgulho que eu apresento a
todos vocês... A nova integrante da Rock Urbano a minha... Prima, Rebeca!
O susto foi inevitável, mas logo Lucas vai
caí na real. É melhor eu esquecer o que ele disse e terminar logo esse show,
pois a única coisa que eu quero agora e botar minha cabeça no travesseiro e
dormir.
FIM DO CAPITULO 8