POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA
CAPÍTULO 6
Está um dilúvio lá fora.
Passei a manhã colocando as coisas no lugar, o quarto de hospedes ficou pronto
graças ao Lucas que fizera isto enquanto eu visitava Peruíbe. Sandra não pediu
isso a ele, pois ela comentou algo sobre nós duas trabalharmos nisso - Será que
o menino está tentado me impressionar? – Não tive tempo de vê-lo ainda... É até
estranho falar isso já que somente um andar divide a gente, mas Lucas não é do
tipo que para em casa, contudo não o vi sair do quarto hoje, nem pra tomar café.
Talvez eu faça uma visita, assim eu retribua o favor.
Tomei a liberdade de passar um
café, pensei, já que vou ficar de molho em casa que seja com uma caneca bem
cheia e um ótimo som do meu violão. Apesar do tempo eu ainda não esqueci como
se toca.
Havia uma canção que minha mãe
sempre me pedia para tocar, True colors, Cyndi Lauper, modéstia parte eu decorei
a musica em dois dias porque além da minha mãe , eu também adorava! Ela sempre
chorava quando eu cantava o refrão... Planejei cantar uma última vez no enterro
dela, mas eu tinha perdido a voz naqueles dias de tanto que gritei por ela em seu leito quando ela me
deixou.
Droga! Tocar era para ser uma
coisa boa em um dia cinza como o de hoje, desanimei.
Ricardo está esparramado no
sofá dando risadas de uma serie na TV, completamente distraído com o conteúdo
do programa e as piadas do apresentador, talvez não seja uma boa ideia eu
interrompe-lo com um diálogo mesmo a gente não ter tido nenhum desde o dia que
cheguei.
Sandra tirou o dia para ficar
com Carlinhos, o garoto tem passado a semana em uma carência peculiar da idade
dele, saíram ainda quando era alvorada. Achei justo ela não ter me convidado,
eu mesmo no lugar dele não ficaria a vontade, mas confesso que Sandra se tornou
pra mim uma companhia agradável, hoje nossas conversas seria um ótimo isolante
para minha solidão. Vou ter que improvisar.
Passei despercebida por
Ricardo e fui para cozinha, joguei uns biscoitos de chocolate dentro de uma
pequena travessa e corri para o primeiro andar, ainda despercebida.
O quarto não estava silencioso
como eu imaginava... Estilhaços de vidros, sirenes de viatura e gritos de
pessoas eram os sons anasalados que saiam do quarto – Chamei
juro que chamei, mas ele não atendeu – Meu
pulso já estava sentindo o peso da travessa, a porta estava destrancada então
entrei.
– Oi? – Eu poderia ter sido melhor.
Lucas deu uma olhadela para mim e rapidamente
pausou o jogo na sua TV de 50 polegadas.
– Oi! Está tudo bem? – Lucas me fitava com
seus olhos cinzentos sem desviar o olhar, estava completamente a vontade com
sua bermuda preta, sua camiseta regata, seus pés descalços no carpete e seus
cabelos castanhos arrepiados.
– Pode me ajudar? – Eu me referia à travessa
que escorregava da minha mão.
O garoto pegou o objeto como se fosse uma
pena e colocou em cima da sua cama.
Estou vermelha... E quando eu fico assim
começo a tagarelar.
– Está explicado o barulho de estilhaços,
sirene...
– O quê? – Lucas estava boiando.
– O jogo... É muito bom – Ele nem estava mais
olhando para a TV.
– Você conhece o jogo? – Pergunta ele.
– O quê? Resident Evil? Você está brincando,
esse eu zerei em 5 horas – Está aí, algo que eu faço tão bem quanto tocar
violão.
– É impressionante, não conhecia esse seu
lado... Como é mesmo? Rebeca! – Lucas deixou escapar um singelo sorriso como se
tivesse uma piada muito boa em seu pensamento.
Não respondi, fitei a TV e fiz o personagem
do jogo decepar a cabeça do zumbi com um tiro fatal.
– Eu estava errado naquela noite na
varanda... Não importa o nome que você adotou ou as vestes que você escolheu
usar, eu olho pra você e ainda vejo a mesma garota, nada mudou é só a antiga
Ana procurando uma forma de se alto imunizar do que virá em diante. A pergunta
é “Pensar em mudar os velhos hábitos vai ajudar?”.
O zumbi pegou e estraçalhou o herói, isso não
teria acontecido se as palavras de Lucas não tivessem me perturbado.
– Você morreu!
Que merda ele está falando? Será que é tão
difícil de entender que eu escolhi ser chamada de Rebeca pelo fato de que como
Ana eu me sentia medíocre? Se para as pessoas minha escolha reflete como uma
fragilidade psicológica então eu só tenho uma coisa pra dizer... Dane-se!!!
Realmente... Não quero me imunizar de nada,
pois não acho que eu venha aprender algo estando imune a elas, mas eu não
preciso dizer isso a Lucas.
– Foi uma distração, mas não vai acontecer de
novo, garanto – Roubei um biscoito na travessa e reiniciei o jogo.
– Hey! Pensei que os biscoitos fossem pra
mim.
– Eu também! – Estávamos rindo juntos.
Hoje não é um dia para mexer no passado,
quero que o garoto ao meu lado seja apenas o Lucas de cabelos arrepiados que
sorri com minhas caretas enquanto jogo.
– Está aprendendo seu “Nub”?
– Nub? – Juro que ele não sabia.
– É como eu chamo os principiantes.
Estávamos nos conhecendo de novo e
redescobrindo nossas qualidades, mostrei a ele como joga e ele retribui me
mostrando como acertar o tempero do molho da lasanha que ele fez para o almoço.
Dividimos o sofá com Ricardo e passamos o
resto da tarde assistindo TV e rindo das piadas sem graça dele.
Já era crepúsculo quando Sandra chegou, o
sorriso de Carlinhos ia de uma bochecha a outra, ele sentou entre Lucas e eu
tagarelando as novidades que encontrou no passeio e minha tia cedeu ao beijo de
Ricardo como uma trégua.
– O que temos para jantar? – Pergunta Sandra.
Aqueles mesmos olhos cinzentos de hoje cedo
olhava novamente para mim com toda intensidade. Eu tremi.
– Beck! – Havia um sorriso cínico em Lucas –
Topa aprender fazer pizza?
– Agora eu sou Beck? – Lucas deu de ombros –
Bora!
FIM DO CAPITULO 6
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