sábado, 7 de dezembro de 2013

As escolhas de uma adolescente rebelde

POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA


CAPÍTULO 8

                Novembro nem acabou e a cidade já está enfeitada para o natal. Da janela do Voyage vejo famílias já no clima festivo – O natal para mim é uma data muito especial, mas esse ano será esquisito, porque minha mãe não vai estar comigo para decorar nossa árvore.
                Não posso deixar que a saudade afete meu humor, não quando ao meu lado tem um garoto hilariante que não parou de contar piadas desde a hora que saímos de casa.
                – Adivinha essa! “O que fazer para um passarinho extravasar em risos?” – Perguntou Lucas, já rindo antes do desfecho da piada.
                – Essa é fácil! Chamamos você pra contar piadas de aves! – Ironizei.
                – Pode ser, mas a resposta não é essa – Ele olhava a rua esperando a resposta.
                – Sei lá! Conta aí!
                – Ok! Para um passarinho extravasar em risos você só precisar jogar ele na parede... O bichinho vai “rachar o bico” – O garoto com certeza estava forçando a gargalhada... A piada nem era tão boa assim – Entendeu? “Rachar o bico”.
                Enquanto ele ficava tagarelando sobre as origens de suas piadas eu fitava a brilhante noite dos pisca-piscas. Lembrei-me do natal do meu decimo quinto aniversario que ele passou comigo e minha mãe – Não sei o que Lucas gostava tanto em Peruíbe que fazia com que ele fosse pelo menos uma vez por mês nos visitar... Só sei que era muito reconfortante tê-lo conosco, nós duas nunca nos sentíamos sozinhas.
                Lucas mesmo com seu jeito brincalhão nunca deixou a maturidade. Assim que terminou o colégio entrou na faculdade de Direito e sem que Ricardo soubesse, o filho conseguiu um estagio como assistente júnior na empresa onde pai é presidente.  O garoto não queria ser beneficiado, fez todas as etapas como qualquer jovem faria para tentar entrar, assim ele não seria jugando por ter conseguido a vaga por causa da influência do pai.  Lucas não parece fazer as coisas pensando em agradar a todos, mas seu carisma e serenidade são tão notórios que é difícil não sorrir quando ele está perto.
                – Beck! Vamos? Chegamos! – Diz Lucas, interrompendo meus devaneios.
                Ele me fitava com aqueles olhos convidativos de sempre e sorria pra mim com toda meiguice que tens – Me Tremi inteira.
                O manobrista levou o carro para o estacionamento, Lucas segurou minha mão e me levou para a entrada do estabelecimento, notei que ele puxava uma case e carregava no ombro um estojo de guitarra, certamente ele pegou esses objetos enquanto em enrolava para sair do Voyage.
                – Hoje é um grande dia pra mim... Por isso eu trouxe você comigo, espero que goste – Ele fitava o gigantesco luminoso que estava escrito, O Bar Vikings, ele estava hipnotizado.
                O bar estava localizado no centro de São Paulo, na esquina de uma avenida muito movimentada, a Vikings pegava quase um quarteirão inteiro... Com certeza não precisa ser adivinho para julgar que O Bar Vikings é para clientes acostumados a pagar 100 ou 150 reais numa dose de uísque... Ou até mais.
                Um grupo de rapazes acena para Lucas, ele reconhece os rostos e vai de encontro.
                Minha cabeça está um turbilhão... Juntemos os fatos. Lucas me leva para um bar no centro da cidade com uma case e um instrumento, depois encontra mais três garotos com mais equipamentos, com certeza o encontro deles foi premeditado. Qual parte de sairmos juntos eu ainda não entendi?
                – Beck! Vem aqui! – Veja só! Eu ainda não estava invisível.
                Aproximei-me do Lucas, mas não tão perto, eu estava evitando especulações sobre existir um vinculo entre nós dois, um vinculo intimo demais.
                – Quero que você conheça a banda... Rock Urbano!
                Ele começou pelo gordinho.
                – Esse é nosso baterista, Guto, o magricela e o Ramon, vulgo Tripa Seca nosso baixista... “E o quatro olhos” é o Barata...
                – Por que Barata? – Perguntei para sujeito de cabelos enferrujados, mas foi Lucas quem respondeu.
                – É porque ele tem certo desafeto com esses insetos tão... Incompreendidos, Não é mesmo Batata meu filho? – Lucas apertava a bochecha do menino tímido.
                – E o que você faz na banda, Barata? – Mas uma vez Lucas foi intrometido.
                – Ele fica na percussão.
                – Obrigado Lucas, mas se continuar respondendo pelo Barata vou pensar que o garoto e mudo – Fingi estar seria, mas não consegui conter o riso quando notei a careta de Lucas que logo sorriu para mim com uma intensidade mais desconcertante.
Os garotos estavam rindo juntos e nesse contratempo Guto deixou escapar:
                – Tenta ficar frio Lucas... Porque você está queimado.
                Lucas deu uma chave de braço no gordinho e beijou sua bochecha redonda.
                – Gordinho gostoso! – Lucas brincava com Guto que correu para o lado dos outros companheiros.
                Eu não percebi que estava rindo de novo, Lucas realmente tinha o dom de fazer as pessoas ao seu redor ficarem felizes... E era olhar nos olhos das pessoas para ver o carinho que todas tinham por ele. Lucas é muito querido.
                – E você, Princesa? Qual é o seu nome? – Quem perguntava era Ramon, o baixista da “Rock Urbano” que se deslocou do grupo para falar comigo.
                – Vamos combinar uma coisa? Vamos deixar a “Princesa” no castelo dela... Então deixo você me chamar de Rebeca. Tudo bem? – Particularmente eu não gosto que me titulem de “Princesa”, “Mina” ou “Garota”, mesmo que a pessoa não tenha a intenção... Para mim esses substantivos soam arrogantes.
                – Gostei! Isso mostra que você tem atitude... Admiro “pacas”.
                Estou aliviada por Ramon ter entendido, pois não tenho a intenção de jogar um balde de água fria nesse clima tão legal. Para provar isso eu arrastei ele para mais perto do grupo, mas os garotos já estavam com o clima alterado.
                – Ele não atende – Disse Lucas preocupado.
                – Tenta de novo! – Insiste Guto.
                – Eu já tentei, mas cai na caixa postal.
                – O que houve? – Ramon tira as palavras da minha.
                – Flavio não atende o celular, não avisa se vai atrasar e a única coisa que eu sei é que temos somente vinte minutos para começar.
                – Já tentou ligar na casa dele – Pergunta Ramon.
                – Estou tentando, mas também não atende – É Guto quem responde.
Os garotos estavam tensos, Lucas andava de um lado para o outro com o celular na orelha – Impulsivamente seguro o braço dele e em resposta ele me fita desajeitado.
                – O que está acontecendo? – Eu já tinha ideia do que estava rolando, mas eu precisava desacelerar Lucas.
                – Desculpe. Tudo isso era para ser uma surpresa... Este bar é de um cliente muito importante do meu pai, quando eu percebi que havia shows ao vivo aqui pedi a ele que desse uma oportunidade para a nossa banda se apresentar. Disse a ele que não precisava pagar, pois a intenção era mostrar nosso trabalho...  Como amigo da família ele não pensou duas vezes ao aceitar...
                Lucas deu uma pausa para recuperar o fôlego.
                – Acontece que o Flávio, o nosso vocalista, ainda não chegou e não podemos nos apresentar sem um vocal... Às vezes o Barata faz a segunda voz, mas nada que se compare...
                É claro que Lucas esperava uma alternativa, mas a única coisa que eu consegui pensar foi em tranquiliza-lo, mesmo que fosse temporariamente.
                – Flávio com certeza deve estar preso no trânsito, isso e tão comum acontecer, não é mesmo? – Lucas deu de ombros – Por que você não entra com meninos e vão montando tudo? Assim que Flávio chegar... Já vai estar tudo pronto.
                Dito e feito, os garotos estavam mais confiantes na ideia que eu plantei – Espero estar certa.
                Confesso que esperava um passeio mais tradicional, como ir ao cinema, fazer um tour pela cidade ou até mesmo tomar um cafezinho na padaria, mas ajudar ele a preparar os instrumentos no palco era o lugar onde eu deveria estar.
                Os minutos estavam passando e Lucas não conseguia disfarçar o nervosismo, foi quando Guto apareceu e disse sem nenhum suspense.
                – Tenho más noticias, Flávio pegou uma virose e não virá, ainda está no hospital tomando medicação... O que faremos agora?
                Lucas deixou o que estava fazendo e levou as mãos para a cabeça soltando um logo suspiro.
                – Não podemos fazer o show sem Flávio... Imprevistos acontecem, a gente tem que aprender lidar com isso.
                Quem Lucas queria enganar? O grupo estava decepcionado, até pude ouvir alguém dizer algo sobre “desistir dessa palhaçada”, mas como podem pensar assim? Desistir só porque não tem um vocal? Eu mesma poderia substituir Flávio...
                É claro! Eu podia fazer isso, até fiz isso uma vez no colégio... É claro que hoje o publico é outro, mas não deve ser tão diferente, não é mesmo?
                A minha ideia pode ser uma maluquice, mas é a única que eu tenho para tentar salvar o show.
                Eu estava tão presa ao meu pensamento que não percebi que Lucas estava pronto para anunciar o cancelamento da apresentação, mas foi o choque de adrenalina que me impulsionou para falar.
                – Eu posso cantar – Minha voz saiu tão baixa que ninguém me ouviu – Eu posso cantar gente – Será que ninguém está me ouvindo – CALEM A BOCA DROGA! – Agora eles estavam me ouvindo.
                Ele veio a mim e acariciou meu rosto, Lucas estava sereno de novo.
                – Beck, não chore – Que Droga! O que esta lagrima está fazendo aqui.
                – Me solta! – Livrei-me bruscamente das mãos de Lucas e descarreguei minhas palavras – Escutem, não cancelei o show... Eu posso cantar...
                – Mas... – Começou Ramon.
– Mas nada! Confiem em mim, vocês não tem alternativa.
A verdade é que eles tinham uma segunda alternativa... Poderiam cancelar a apresentação, mas Lucas queria tanto que esse show acontecesse, olhos dos meninos brilhavam tanto que... Eu não tive alternativa. Eles não precisavam acreditar em mim, pois eu mesma não estava tão confiante, mas acreditaram e agora eu tenho que valer minha promessa. Que comesse o show.
Lucas me mostrou a lista do repertório, tive a sorte de conhecer cada faixa e os garotos me deixaram a vontade para organizar as canções, então eu escolhi começar com uma que poucos conhecem... Mas que para mim é um hino, hino que cantei frente ao espelho no dia que resolvi mudar. “Playing God” (Brincando de Deus) do Paramore.
Ramon começou a tocar as primeiras notas e eu já estava de olhos fechados, mentalizando a canção da minha redenção, me preenchendo de fé, me completando. Abri os olhos e comecei a cantar.
Eu sabia que uma multidão estava me fitando, mas e daí, eu estava cantando com uma banda de verdade... Com garotos legais pra caramba... Com o Lucas, que conseguiu me proporcionar a melhor noite de todas.
Terminei a canção. Não estava sonhando, o alvoroço era para nós, estavam nos aplaudindo...
– Você conseguiu! Você Conseguiu! – Lucas me apertava em seus braços, à eletricidade de seu corpo me arrepiou.
– Nós conseguimos... Todos nós – Eu o lembrava.
Lucas estava emocionado, ele libertou as mãos de minha cintura, pegou o microfone e falou.
– Olá pessoal, hoje está sendo a melhor noite da minha vida, pois consegui reunir meus melhores amigos, meus melhores parceiros para concretizar um sonho que estava preso dentro de uma garagem... Estamos felizes, estamos realizados, sim, estamos, mas a banda a de convir comigo que isso não teria acontecido se essa mocinha aqui... – Lucas pegou na minha mão e me levou para o meio do holofote –... Não tivesse, com sua coragem, nos arrastado para esse palco e mostrado, não só para vocês como também para nós, o talento grandioso que tens. Por isso é com orgulho que eu apresento a todos vocês... A nova integrante da Rock Urbano a minha... Prima, Rebeca!
O susto foi inevitável, mas logo Lucas vai caí na real. É melhor eu esquecer o que ele disse e terminar logo esse show, pois a única coisa que eu quero agora e botar minha cabeça no travesseiro e dormir.

FIM DO CAPITULO 8



Nenhum comentário:

Postar um comentário