domingo, 9 de fevereiro de 2014

As escolhas de uma adolescente rebelde

POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA



CAPÍTULO 10

Daqui a uma semana começa as aulas, acho que por isso a galera da república planeja dar uma festinha para os novatos hoje à noite – Isso foi o que Fatinha disse pela manhã – Odeio noticias de última hora, logo hoje que vou passar o dia inteiro fora trabalhando com minha tia.
Ontem, tivemos tanto trabalho que fomos obrigadas a comer fora, foram dois hot dogs para cada uma, os lanches enganaram a fome legal, mas só até chegar em casa, ás 23hs e tantas.
Confesso que o trabalho é um pouco estressante, mas Sandra conseguia me entreter com suas histórias, o tempo passava tão rápido com ela que quando eu parei para notar, já estávamos no fim da semana.
Depois de uma semana inteira de trabalho eu estava merecendo mesmo uma noite de euforia – Fatinha pelo menos me fez acreditar que essa seria a vibe – Mas havia um problema... O tempo.
– Tia! Será que conseguiríamos chegar em casa antes 19 horas?
– Bom! Talvez se meu carro voasse sobre esse rio de automóveis que anda um metro a cada 10 minutos, só assim será possível – O suor escoria no rosto estressado dela – Por que você não me falou que tinha compromisso hoje à noite – Perguntou ela com a voz fadigada.
– A verdade é que eu disse, por duas vezes.
– E o que foi que eu respondi?
– Alguma coisa parecida com... “Não se preocupe”.
– Foi o que eu pensei – Disse ela decepcionada – Pense pelo lado bom, você vai chegar no horário em que a festa começa a ficar boa. Por volta da meia-noite?
– Você não está falando serio, está? – Perguntei.
– É claro que não – É óbvio que não, minha tia não ficava me alugando, mas seria de mais deixa-la tão preocupada.
Olhei para a gigante fila de carros e logo me conformei com a situação, encostei minhas costas no banco, coloquei meu fone de ouvido e apertei o play do meu celular e relaxei, relaxei até o momento em que a Sandra começou a falar.
– Eu já sei o que vou fazer?
O carro deu um tranco, seguido com o ronco do motor, testemunhei Sandra jogar o carro para cima da calçada e fazer o retorno na pista contrária, onde o transito fluía bem. Em meio minuto Sandra para o carro de novo, mas agora no estacionamento do Metrô.
Corremos para a plataforma, lá Sandra me devolveu a esperança de curtir a confraternização da minha amiga Fatinha.
– Agora nós iremos chegar tão cedo, que você vai ficar entediada de tanto esperar pela hora certa de sair de casa – Disse minha tia ofegante.
As estações passavam rápidas e os ponteiros do relógio pareciam nem se mexer, parece que minha tia não exagerou quando disse que nós chegaríamos cedo. Estou mais tranquila.
– Sabe que essa correria me fez lembrar-se de uma situação que tive no passado – Começou Sandra, rindo da lembrança.
– Qual? – Eu estava rindo junto com ela de algo que eu nem sabia o que era.
– Foi o dia em que eu conheci seu tio Ricardo – Ela sorriu de novo – Quem nos conheceu naquela época não nos reconheceria hoje.
– “Putz”! Eu e o Ricardo éramos dois nerds escrotos. “Se liga!” Eu estava nervosa para apresentar meu TCC e então passei a noite relendo o trabalho, acordei no dia seguinte daquele jeito, vesti uma roupa qualquer como de costume e corri para a faculdade, senti o cheiro irresistível do pãozinho de queijo vendido na porta do Metrô, uma delícia. Comprei o combo que acompanhava o maior copo de café expresso e corri para plataforma com toda aquela tralha, mas o seu tio tinha que aparecer do nada para esbarrar em mim, então ambos tomamos banho de café expresso.
– Que desperdício.
– Eu fiquei louca, a vontade que eu tinha era de acertar a cabeça dele com alguma coisa, mas quando eu olhei para ele e vi que estava na mesma situação eu travei a língua. Deixei acumular tanta raiva que desabei em lágrimas na frente dele, lamentei por ter sujado ele e por ter encharcado seu livro de “Direitos trabalhista” de mais de mil páginas.
– Mas e aí?
– Ele não pareceu se preocupar com o que aconteceu com ele, mas não parou de pedir desculpas, não achou suficiente me levar em uma loja e comprar roupas para mim, ele assistiu minha apresentação do TCC e fez questão de almoçar comigo todos os dias só para constatar de que eu estava melhor.
– Ele estudava na mesma faculdade?
– Coincidência não é mesmo? Só sei que ele grudou em mim de uma forma que acabamos ficando juntos até hoje.
– E onde estava o Lucas nessa época?
– Ele estava morando com a mãe dele, a Lívia, mas um dia ela surtou e entregou o filho para o Ricardo e foi viver seu sonho de atriz na Europa... É claro que isso é outra história.
Eu já estava em casa de banho tomado e pronta para me vestir. Sandra me ajudou a escolher a roupa desta noite, não foi nada de inacreditável.
– Vou ligar para Amanda, hoje ela vai ficar até mais tarde no escritório, lembrei que a chave reserva do carro está lá.
– Vai pedir a ela para buscar o carro?
– Sim, Amanda é um amor, sempre me salva na hora que preciso.
Estava sozinha no quarto terminando de me arrumar quando encontrei meu par de brincos, foi minha mãe quem me dera. Lembrei-me do que ela havia dito – “Filha!” “Eu te amo, lembre-se disso sempre” – Tenho certeza que quando ela falou isso, já estava sabendo da leucemia.
– Gostei dos brincos! – Disse Sandra no instante em que desligava o celular.
– São os meus favoritos... – Prometi para minha mãe que eu usaria os brincos em ocasiões especiais, hoje é especial por causa da Fatinha, minha melhor amiga, mas ainda não acho que seja o momento para usa-los –... Mas hoje eles vão ficar na caixinha.
– Tudo bem! Agora vamos? Vou deixar você lá. Lucas foi ao trabalho com Ricardo e deixou o carro dele em casa. Você está com o endereço.
– Sim!
Sandra conhecia a cidade muito bem, por isso que ela seguiu por caminhos que não se encontravam com o transito caótico de São Paulo.
– Se importa se eu ligar o rádio? – Perguntou ela.
– Não!
A música começou a tocar, era um rock nacional, a vocalista cantava muito bem e a letra era incrível.
Ficamos ouvindo a música sem dizer uma só palavra, quando a canção acabou ela disse.
– Ela tem razão... Essa tal de Pitty... “Não deixe nada pra depois, não deixe o tempo passar, não deixe nada pra semana que vem, porque semana que vem pode nem chegar”
Suspirei.
– Chegamos! – Disse ela.
Saí do carro e caminhei alguns passos, mas voltei para dizer...
– Esse é o plano! Obrigada!


FIM DO CAPÍTULO 10


sábado, 25 de janeiro de 2014

As escolhas de uma adolescente rebelde

POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA


CAPÍTULO 9

                Eram oito da manhã quando ela me ligou contando as novidades – Ainda bem que eu fiz as pazes com ela – Somente a Fatinha se divertia com as minhas histórias – Contar para ela me fez me sentir tão bem que duas horas no celular foram poucas para tanto entretenimento. Contudo, por mais que minha noite com a Rock Urbano tenha sido boa, Fatinha superou todas as boas noticias.
                – Vamos ser vizinhas – Disse ela.
                Fatinha explicou. Disse que foi aprovada no vestibular da FUVEST e que iria morar em São Paulo para cursar medicina na Universidade de São Paulo (USP) – Não era nenhuma novidade para mim, minha amiga sempre foi esforçada e conquistar uma vaga na USP é só um resultado obvio de muita dedicação – Já estava tudo pronto para sua mudança, Fatinha vai se instalar numa republica, na Cidade Universitária, pertinho do metrô, pertinho de casa.
                Parece que semana que vem ela termina de fazer a mudança, estou ansiosa. Pretendo comprar um presente de boas vindas, mas meu orçamento já está no vermelho – Quando ainda morava em Peruíbe consegui levantar uma grana com alguns bicos de garçonete num quiosque, mais já foi tudo com meus caprichos aqui – Detesto pensar na hipótese de pedir emprestado para Sandra, mas vejo que não tenho alternativa.
                Quando o crepúsculo aparecer, vou saber que Sandra chegou, então falarei com ela, mais enquanto o sol do meio-dia “estralar” no jardim, o negocio é ir improvisando para que o dia não se arraste.
                Talvez seja o momento de conhecer melhor aquele garoto carente que ainda não tive tempo de conversar. O que será que Carlinhos pensa de mim? Será que ainda sou uma intrusa para ele? Como posso chegar nesse menino sem parecer que estou implorando sua atenção? Não estamos sozinhos, Lucas parece estar de folga... E está enfurnado em seu quarto com seu irmão... Provavelmente jogando vídeo game.
                Peguei um pacote de biscoitos e um copo de leite gelado e fui fazer uma visitinha. Bati na porta sutilmente e foi Lucas quem atendeu.
                – Opa! Olha se não é a minha estrela do rock – Lucas sorria para mim mais malicioso do que antes.
                – Para de bobagem – Era difícil conter o riso com o jeito malandro dele – Vai um biscoito aí?
                – Uhum! – Lucas abocanhou uma bolacha e bebeu um grande gole de leite – Carlinhos! Já sei quem pode te dar uma lavada no Mortal Kombat!
                – Duvido que exista alguém que me supere – Disse Carlinhos fitando a TV.
                – Felizmente existe alguém – Continua Lucas.
                – É mesmo? E quem é? – Debocha Carlinhos.
                – Nossa prima Rebeca... A IN-DO-MÁ-VEL – Lucas me anunciou como um apresentador de programa de auditório. Que ridículo.
                Entrei no clima da brincadeira e encenei.
                – Prepare-se para ser esmagado – Não vi como estava minha careta, mas tenho quase certeza que consegui intimidar.
                – Tenho medo de você, sabia garota? – Disse Lucas com aquele jeito besta dele.
                – Pera aí! Pensei que você tinha me dito que garotas não entravam nesse quarto – Reclamou Carlinhos.
                – É verdade, por isso não tem nenhuma aqui.
                Como assim? Que conversa mais sem noção é essa? Esses moleques estão tirando uma com a minha cara?
                – É mesmo? E ela é o que? – Diz Carlinhos, referindo-se a mim.
                – Quem? A Beck?
                – Tem outra?
                Já estava na hora de acabar com essa conversa fiada.
                – Eu sou a exceção Carlinhos, se você está com medo de me enfrentar... Fala logo... É mais bonito do que ficar arrumando desculpas para fugir de mim – Estava provocando o garoto e ele aceitou.
                – Pegue seu controle e reze para não ser ridicularizada.
                Metido esse menino, mas eu estava tranquila, pois eu era boa no game e Carlinhos não sabia disso.
                – Com medo? – Perguntei num tom arrogante.
                – Não mesmo! – Carlinhos respondeu no mesmo tom.
                A partida começou e Carlinhos conseguiu encaixar um combo de golpes que levou embora 70% da vida do meu personagem, tentei revidar, mas o garoto foi inteligente e conseguiu defender e finalizar o round com outro combo perfeito. Não havia subestimado Carlinhos... Era eu que estava enferrujada mesmo.
                O segundo round começou e foi eu quem venci com muito sufoco, mas não adiantou, o garoto estava motivado e venceu mais uma vez.
                – Tenho que confessar que você é melhor do que o Lucas, mas você vai precisar comer muito “arroz e feijão” para me vencer – Debochou Carlinhos.
                – Tive piedade de você garoto – Ninguém acreditou.
                – Se quiser um replay? Só não vou aceitar desculpas quando você perder – Carlinhos estava se divertindo com minha cara.
                Sempre gostei de uma boa competição, aceitar a revanche era tentador e mesmo sendo um simples jogo eu tinha em meu espirito competitivo o dever de recuperar minha honra, mas Lucas, que eu quase esqueci que estava ali, se manifestou.
                – Vamos deixar esse jogo para mais tarde, está um sol ótimo lá fora, podemos almoçar no shopping, pegar um cineminha... Sei lá, qualquer coisa fora desse quarto. O que vocês acham?
                Pensei que Carlinhos não aceitaria a proposta de Lucas, mas ele parecia estar mais entediado do que o irmão. Hoje eu me contentaria estar em casa com os meninos, mas eu percebi que hoje estaria em qualquer lugar que eles estivessem.
                Era um passeio simples que não exigia muito do meu guarda-roupa, por isso que decidir vestir um vestido preto com estampa de caveiras e meu All Star preferido. Deixei as lentes de contato em casa e coloquei meu Ray Ban Wayfarer. Fitei o espelho e fiquei feliz por não estar com olheiras, mas já estava enjoada do meu cabelo preto, precisava mudar quem sabe umas mechas vermelhas ou alaranjadas, penso nisso depois.
                Tocava Radio Active do Imagine Dragons no som do carro. Carlinhos tagarelava sobre animes, mas minha atenção estava em Lucas que mantinha um silêncio incomum.
                – Está tudo bem? – Perguntei enquanto esperávamos na fila do ingresso para o cinema.
                – Estou sim! – Lucas respondeu distraído.
                A resposta dele não foi o suficiente e ele percebeu quando notou que eu não estava convencida.
                – Hoje pela manhã recebi uma ligação do Guto, ele disse que Flávio mentiu quando alegou que estava doente antes do show.
                – Como assim – Perguntei.
                – Parece que Flávio tinha outros planos, inventou uma mentira para nos despistar. A verdade é que ele foi gravar um single secretamente... Resumindo, Flávio está em outra e deixou a gente.
                Lucas olhava o catalogo dos filmes em cartaz com o olhar franzido, rejeitou todas as opções, mas o problema não parecia ser os títulos apresentados e sim oque estava passando na sua cabeça.
                – Como Guto ficou sabendo? – Pergunto.
                – Não entendi direito... Parece que um amigo dele trabalha na gravadora e acabou vendo Flávio estonteante assinando contrato... Ou algo do tipo.
                Não conhecia Flávio para julga-lo, mas se ele fez isso mesmo... Ele é um traidor filha da... Deixa pra lá. Contudo, pensando bem, Guto pode ter entendido errado e Flávio só está sendo crucificado injustamente. Talvez Lucas devesse pensar mais um pouquinho nisso.
                – Guto tem certeza disso? – Perguntei.
                – Eu acredito nele – Afirmou Lucas.
                – Mas e se ele estiver errado? – Espera aí! Por que eu estou questionando tanto? Não conheço Flávio, nem faço ideia de como ele é.
Talvez Guto tenha motivos para acreditar que Flávio seja egoísta e falso. Esse “negócio” de acreditar que todos tenham boas intenções é uma fraqueza... Uma fraqueza da Ana... Meu Deus! Todo esse carinho e atenção que venho recebendo, está me deixando vulnerável aos meus sentimentos, estou deixando de observar por detrás das ofertas as verdadeiras intenções... Não posso permitir que meu coração seja tão ingênuo de se escancarar para todos, preciso desacelerar as coisas e sempre me lembrar de que tudo isso é temporário.
– Duvido. Guto não é do tipo que sai por aí acusando os outros.  O amigo dele deve ter sido bem convincente... Mais cedo ou mais tarde vamos ficar sabendo – Lucas apontava o dedo para o visor do seu celular e eu entendi.
Dito e feito. Foi voltando para casa que Lucas recebeu a mensagem de Guto confirmando tudo em três palavras. “A bichinha está fora”.
Fiquei pensando na decisão de Flávio de seguir carreira solo, isso é tão comum no mercado da música, deixar um grupo para seguir sozinho com novos projetos, não tem mal algum, mas Flávio agiu errado... Na minha opinião. Penso que se ele tivesse comunicado a banda de seus planos o grupo teria conversado e chegado em uma solução. Eu acho.
Era quase crepúsculo quando chegamos em casa. Lá estava o Golf prata parado com os vidros escuros fechados. Quem será o desconhecido?
– E agora? O que é que ele quer? – Perguntava Lucas com a testa franzida.
Lucas parou o carro e nós descemos.
O sujeito também saiu do carro, enfim pude ver seu rosto.
– O que você está fazendo aqui Flávio? – Perguntou Lucas.
O garoto de lentes azuis, tão artificiais quanto seu cabelo amarelo-gema, erguia sua sobrancelha, transparecendo sua arrogância.
– Bom! Com certeza Guto deve ter vomitado os últimos acontecimentos, por isso vou ser objetivo. Eu vim buscar minhas coisas.
Flávio era esnobe. Cada palavra que ele falava soava com arrogância.
– Vamos acabar com isso logo – Disse Lucas.
– Vamos! Quanto mais rápido eu sair daqui melhor... Ainda tenho uma festa para ir, não quero me atrasar – Além de arrogante, Flávio era irônico.
O garoto metido a besta passou por Carlinhos e eu como se nós fossemos invisíveis, senti a hostilidade nojenta dele, e no mesmo instante uma raiva me consumiu.
– Parece que alguém passou o dia chupando limão – Disse Carlinhos.
– Você também percebeu? – Perguntei.
– O quê? É melhor a gente ficar bem longe desse cara, porque com um mau humor desses é capaz de acabar com qualquer felicidade. Que tal continuarmos com nosso jogo de hoje cedo?
Os olhos de Carlinhos eram os mesmos olhos da minha tia Sandra, só que mais inocentes. Aqueles olhos escuros e sinceros fez minha mente cambalear inibindo a raiva que eu sentia de outrora.
– Vamos! Preciso bater em alguém.
Foram pelo menos 40 minutos de entretenimento até Lucas aparecer, ele estava daquele jeito triste e misterioso. Fiquei com a atenção na TV e ao mesmo tempo nele, mas abandonei o controle do vídeo game no instante que ele saiu do quarto.
– Já volto Carlinhos! – O garoto não questionou.
Consegui alcançar Lucas quando estávamos na cozinha, não fiz cerimonia, fui logo falando.
– Não vai me dizer que essa cara de bunda é por causa do Flávio?
A um silêncio.
– Não é por causa dele... E sim... As máscaras que ele deixou cair.
– Posso dar minha opinião? – Pergunto.
– Manda aí!
– Você deveria estar comemorando, Flávio parece do tipo que gosta de subir na vida de elevador. Não adianta levar a banda sozinho nas costas, a banda toda tem que ajudar e Flávio não está preparado para uma responsabilidade dessa magnitude.
Sabe aquele momento em que você vê uma pessoa pela primeira vez e no instante que bate os olhos nela a impressão que tem é de repulsa? Então, eu senti isso por Flávio, não sei se isso é bom pra mim, mas até que o tempo prove o contrário eu vou continuar com essa imagem horrenda dele de antipático e arrogante.
– Lucas! Flávio não merece sua preocupação, agora Guto, Ramon e o Barata... Eles sim parecem se preocupar com a banda tanto quanto você. Penso que Flávio fez sua escolha e ainda cuspiu no prato... Deixe-o viver o sonho dele; espero que quando acordar ainda tenha sobrado alguém que goste dele.
Estava silêncio de novo e Lucas deixou de me fitar para mexer na geladeira.
– Eu estava pensando... E se eu fizesse uma salada de maionese para o jantar?
Como assim? Será que ele não ouviu nada que eu disse?
– Já está com fome?
– Qual é o seu problema? – Estava ficando estressada com o silêncio dele, esse humor bipolar estava acabando comigo – Falei tanta besteira assim? – Será?
– É claro que não. Você disse que Flávio não merece tanto minha preocupação... Tem razão, a banda está em um ótimo momento...
– Você está sendo irônico!
– De forma alguma, está tudo certo mesmo... Ou você esqueceu que eu te convidei para banda na frente de todo mundo? Não está faltando nada!
– Mas eu não confirmei nada! – Lembrei-lhe.
– É verdade! Por que você ainda não aceitou?
– É muita responsabilidade e além do mais você sabe que vou ficar só até terminar o colégio, isso se eu não for antes.
– Não fale bobagem. Em um ano muitas coisas podem acontecer... E eu sei que você gosta de cantar, todos nós vimos como você é boa.
– Não quero falhar com vocês.
– Se estiver falando em falhar só por causa de ter que um dia ir embora... Você pode ficar tranquila, pois estaremos cientes disso.
É claro que eu achava a ideia ótima de ter um lugar na Rock Urbano, mas estava com medo de acabar me prendendo a essa vida, eu não posso nem pensar em me prender, preciso estar com o caminho livre, vai que uma dia eu precise sair correndo.
– Gosta de salsinha? – Perguntou ele.
Disse sim com a cabeça e Lucas sorriu pra mim. Fiquei pensando... Eu poderia aceitar o convite dele, sei que sou forte para deixar a banda se algo sair do controle... Acho que não tenho nada a perder...
– Podemos tentar – Eu disse sem olhar para o rosto dele, mas senti que ele sorria de novo.
Voltei a ficar quieta e caminhei até o armário de mantimentos, encontrei uma garrafa de azeite e imaginei seu sabor misturado à maionese; não pensei duas vezes...
– Coloque um pouco disso, vai ficar gostoso.
– Boa ideia.
O jantar já estava pronto quando Sandra chegou. Lembrei que precisava falar com ela, mas não sabia como começar.
– Fiquei pensando em você o dia todo Rebeca – Disse ela enquanto servia seu prato com a deliciosa maionese.
– Espero que sejam coisas boas – Sorri discretamente no final da frase.
– Eu acho que é uma ideia... Bacana – Ela estimulou minha curiosidade – Eu estava pensando na possibilidade de você vir trabalhar comigo... Sei lá... Senti falta de uma assistente, fico pra cima e pra baixo pela cidade e acabo me perdendo no cronograma... Em fim. Preciso de alguém esperta, ágil e determinada – Sandra pausa a conversa com uma gargalhada debochada.
– Obrigada pelos elogios.
– Não por isso! O que você acha? Eu pago bem. Assim você não vai precisar mexer na sua poupança e vai poder sair e comprar o que quiser sem culpa.
Não tinha pensado na herança, mas a ideia da minha tia era ótima, pelo menos era uma forma justa de ter meu dinheiro, sem eu me sentir receosa mais tarde.
– Isso é uma noticia ótima! Eu aceito sim. Se soubesse o peso que tirou das minhas costas.
– Serio?
– Sim! – Ela ficou pensativa, mas não deixei com que o assunto se desviasse – E quando começamos.
– Tem RG, CPF e carteira de trabalho? – Perguntou Sandra.
– Tenho sim!
– Ótimo você começa amanhã.
– Está aí, Talvez eu precise fazer algo diferente mesmo, mas quero ver como vou conciliar a banda e a escola que logo vai começar...
Quer saber? Que se dane... O negocio está no papo.

FIM DO CAPITULO 9



sábado, 7 de dezembro de 2013

As escolhas de uma adolescente rebelde

POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA


CAPÍTULO 8

                Novembro nem acabou e a cidade já está enfeitada para o natal. Da janela do Voyage vejo famílias já no clima festivo – O natal para mim é uma data muito especial, mas esse ano será esquisito, porque minha mãe não vai estar comigo para decorar nossa árvore.
                Não posso deixar que a saudade afete meu humor, não quando ao meu lado tem um garoto hilariante que não parou de contar piadas desde a hora que saímos de casa.
                – Adivinha essa! “O que fazer para um passarinho extravasar em risos?” – Perguntou Lucas, já rindo antes do desfecho da piada.
                – Essa é fácil! Chamamos você pra contar piadas de aves! – Ironizei.
                – Pode ser, mas a resposta não é essa – Ele olhava a rua esperando a resposta.
                – Sei lá! Conta aí!
                – Ok! Para um passarinho extravasar em risos você só precisar jogar ele na parede... O bichinho vai “rachar o bico” – O garoto com certeza estava forçando a gargalhada... A piada nem era tão boa assim – Entendeu? “Rachar o bico”.
                Enquanto ele ficava tagarelando sobre as origens de suas piadas eu fitava a brilhante noite dos pisca-piscas. Lembrei-me do natal do meu decimo quinto aniversario que ele passou comigo e minha mãe – Não sei o que Lucas gostava tanto em Peruíbe que fazia com que ele fosse pelo menos uma vez por mês nos visitar... Só sei que era muito reconfortante tê-lo conosco, nós duas nunca nos sentíamos sozinhas.
                Lucas mesmo com seu jeito brincalhão nunca deixou a maturidade. Assim que terminou o colégio entrou na faculdade de Direito e sem que Ricardo soubesse, o filho conseguiu um estagio como assistente júnior na empresa onde pai é presidente.  O garoto não queria ser beneficiado, fez todas as etapas como qualquer jovem faria para tentar entrar, assim ele não seria jugando por ter conseguido a vaga por causa da influência do pai.  Lucas não parece fazer as coisas pensando em agradar a todos, mas seu carisma e serenidade são tão notórios que é difícil não sorrir quando ele está perto.
                – Beck! Vamos? Chegamos! – Diz Lucas, interrompendo meus devaneios.
                Ele me fitava com aqueles olhos convidativos de sempre e sorria pra mim com toda meiguice que tens – Me Tremi inteira.
                O manobrista levou o carro para o estacionamento, Lucas segurou minha mão e me levou para a entrada do estabelecimento, notei que ele puxava uma case e carregava no ombro um estojo de guitarra, certamente ele pegou esses objetos enquanto em enrolava para sair do Voyage.
                – Hoje é um grande dia pra mim... Por isso eu trouxe você comigo, espero que goste – Ele fitava o gigantesco luminoso que estava escrito, O Bar Vikings, ele estava hipnotizado.
                O bar estava localizado no centro de São Paulo, na esquina de uma avenida muito movimentada, a Vikings pegava quase um quarteirão inteiro... Com certeza não precisa ser adivinho para julgar que O Bar Vikings é para clientes acostumados a pagar 100 ou 150 reais numa dose de uísque... Ou até mais.
                Um grupo de rapazes acena para Lucas, ele reconhece os rostos e vai de encontro.
                Minha cabeça está um turbilhão... Juntemos os fatos. Lucas me leva para um bar no centro da cidade com uma case e um instrumento, depois encontra mais três garotos com mais equipamentos, com certeza o encontro deles foi premeditado. Qual parte de sairmos juntos eu ainda não entendi?
                – Beck! Vem aqui! – Veja só! Eu ainda não estava invisível.
                Aproximei-me do Lucas, mas não tão perto, eu estava evitando especulações sobre existir um vinculo entre nós dois, um vinculo intimo demais.
                – Quero que você conheça a banda... Rock Urbano!
                Ele começou pelo gordinho.
                – Esse é nosso baterista, Guto, o magricela e o Ramon, vulgo Tripa Seca nosso baixista... “E o quatro olhos” é o Barata...
                – Por que Barata? – Perguntei para sujeito de cabelos enferrujados, mas foi Lucas quem respondeu.
                – É porque ele tem certo desafeto com esses insetos tão... Incompreendidos, Não é mesmo Batata meu filho? – Lucas apertava a bochecha do menino tímido.
                – E o que você faz na banda, Barata? – Mas uma vez Lucas foi intrometido.
                – Ele fica na percussão.
                – Obrigado Lucas, mas se continuar respondendo pelo Barata vou pensar que o garoto e mudo – Fingi estar seria, mas não consegui conter o riso quando notei a careta de Lucas que logo sorriu para mim com uma intensidade mais desconcertante.
Os garotos estavam rindo juntos e nesse contratempo Guto deixou escapar:
                – Tenta ficar frio Lucas... Porque você está queimado.
                Lucas deu uma chave de braço no gordinho e beijou sua bochecha redonda.
                – Gordinho gostoso! – Lucas brincava com Guto que correu para o lado dos outros companheiros.
                Eu não percebi que estava rindo de novo, Lucas realmente tinha o dom de fazer as pessoas ao seu redor ficarem felizes... E era olhar nos olhos das pessoas para ver o carinho que todas tinham por ele. Lucas é muito querido.
                – E você, Princesa? Qual é o seu nome? – Quem perguntava era Ramon, o baixista da “Rock Urbano” que se deslocou do grupo para falar comigo.
                – Vamos combinar uma coisa? Vamos deixar a “Princesa” no castelo dela... Então deixo você me chamar de Rebeca. Tudo bem? – Particularmente eu não gosto que me titulem de “Princesa”, “Mina” ou “Garota”, mesmo que a pessoa não tenha a intenção... Para mim esses substantivos soam arrogantes.
                – Gostei! Isso mostra que você tem atitude... Admiro “pacas”.
                Estou aliviada por Ramon ter entendido, pois não tenho a intenção de jogar um balde de água fria nesse clima tão legal. Para provar isso eu arrastei ele para mais perto do grupo, mas os garotos já estavam com o clima alterado.
                – Ele não atende – Disse Lucas preocupado.
                – Tenta de novo! – Insiste Guto.
                – Eu já tentei, mas cai na caixa postal.
                – O que houve? – Ramon tira as palavras da minha.
                – Flavio não atende o celular, não avisa se vai atrasar e a única coisa que eu sei é que temos somente vinte minutos para começar.
                – Já tentou ligar na casa dele – Pergunta Ramon.
                – Estou tentando, mas também não atende – É Guto quem responde.
Os garotos estavam tensos, Lucas andava de um lado para o outro com o celular na orelha – Impulsivamente seguro o braço dele e em resposta ele me fita desajeitado.
                – O que está acontecendo? – Eu já tinha ideia do que estava rolando, mas eu precisava desacelerar Lucas.
                – Desculpe. Tudo isso era para ser uma surpresa... Este bar é de um cliente muito importante do meu pai, quando eu percebi que havia shows ao vivo aqui pedi a ele que desse uma oportunidade para a nossa banda se apresentar. Disse a ele que não precisava pagar, pois a intenção era mostrar nosso trabalho...  Como amigo da família ele não pensou duas vezes ao aceitar...
                Lucas deu uma pausa para recuperar o fôlego.
                – Acontece que o Flávio, o nosso vocalista, ainda não chegou e não podemos nos apresentar sem um vocal... Às vezes o Barata faz a segunda voz, mas nada que se compare...
                É claro que Lucas esperava uma alternativa, mas a única coisa que eu consegui pensar foi em tranquiliza-lo, mesmo que fosse temporariamente.
                – Flávio com certeza deve estar preso no trânsito, isso e tão comum acontecer, não é mesmo? – Lucas deu de ombros – Por que você não entra com meninos e vão montando tudo? Assim que Flávio chegar... Já vai estar tudo pronto.
                Dito e feito, os garotos estavam mais confiantes na ideia que eu plantei – Espero estar certa.
                Confesso que esperava um passeio mais tradicional, como ir ao cinema, fazer um tour pela cidade ou até mesmo tomar um cafezinho na padaria, mas ajudar ele a preparar os instrumentos no palco era o lugar onde eu deveria estar.
                Os minutos estavam passando e Lucas não conseguia disfarçar o nervosismo, foi quando Guto apareceu e disse sem nenhum suspense.
                – Tenho más noticias, Flávio pegou uma virose e não virá, ainda está no hospital tomando medicação... O que faremos agora?
                Lucas deixou o que estava fazendo e levou as mãos para a cabeça soltando um logo suspiro.
                – Não podemos fazer o show sem Flávio... Imprevistos acontecem, a gente tem que aprender lidar com isso.
                Quem Lucas queria enganar? O grupo estava decepcionado, até pude ouvir alguém dizer algo sobre “desistir dessa palhaçada”, mas como podem pensar assim? Desistir só porque não tem um vocal? Eu mesma poderia substituir Flávio...
                É claro! Eu podia fazer isso, até fiz isso uma vez no colégio... É claro que hoje o publico é outro, mas não deve ser tão diferente, não é mesmo?
                A minha ideia pode ser uma maluquice, mas é a única que eu tenho para tentar salvar o show.
                Eu estava tão presa ao meu pensamento que não percebi que Lucas estava pronto para anunciar o cancelamento da apresentação, mas foi o choque de adrenalina que me impulsionou para falar.
                – Eu posso cantar – Minha voz saiu tão baixa que ninguém me ouviu – Eu posso cantar gente – Será que ninguém está me ouvindo – CALEM A BOCA DROGA! – Agora eles estavam me ouvindo.
                Ele veio a mim e acariciou meu rosto, Lucas estava sereno de novo.
                – Beck, não chore – Que Droga! O que esta lagrima está fazendo aqui.
                – Me solta! – Livrei-me bruscamente das mãos de Lucas e descarreguei minhas palavras – Escutem, não cancelei o show... Eu posso cantar...
                – Mas... – Começou Ramon.
– Mas nada! Confiem em mim, vocês não tem alternativa.
A verdade é que eles tinham uma segunda alternativa... Poderiam cancelar a apresentação, mas Lucas queria tanto que esse show acontecesse, olhos dos meninos brilhavam tanto que... Eu não tive alternativa. Eles não precisavam acreditar em mim, pois eu mesma não estava tão confiante, mas acreditaram e agora eu tenho que valer minha promessa. Que comesse o show.
Lucas me mostrou a lista do repertório, tive a sorte de conhecer cada faixa e os garotos me deixaram a vontade para organizar as canções, então eu escolhi começar com uma que poucos conhecem... Mas que para mim é um hino, hino que cantei frente ao espelho no dia que resolvi mudar. “Playing God” (Brincando de Deus) do Paramore.
Ramon começou a tocar as primeiras notas e eu já estava de olhos fechados, mentalizando a canção da minha redenção, me preenchendo de fé, me completando. Abri os olhos e comecei a cantar.
Eu sabia que uma multidão estava me fitando, mas e daí, eu estava cantando com uma banda de verdade... Com garotos legais pra caramba... Com o Lucas, que conseguiu me proporcionar a melhor noite de todas.
Terminei a canção. Não estava sonhando, o alvoroço era para nós, estavam nos aplaudindo...
– Você conseguiu! Você Conseguiu! – Lucas me apertava em seus braços, à eletricidade de seu corpo me arrepiou.
– Nós conseguimos... Todos nós – Eu o lembrava.
Lucas estava emocionado, ele libertou as mãos de minha cintura, pegou o microfone e falou.
– Olá pessoal, hoje está sendo a melhor noite da minha vida, pois consegui reunir meus melhores amigos, meus melhores parceiros para concretizar um sonho que estava preso dentro de uma garagem... Estamos felizes, estamos realizados, sim, estamos, mas a banda a de convir comigo que isso não teria acontecido se essa mocinha aqui... – Lucas pegou na minha mão e me levou para o meio do holofote –... Não tivesse, com sua coragem, nos arrastado para esse palco e mostrado, não só para vocês como também para nós, o talento grandioso que tens. Por isso é com orgulho que eu apresento a todos vocês... A nova integrante da Rock Urbano a minha... Prima, Rebeca!
O susto foi inevitável, mas logo Lucas vai caí na real. É melhor eu esquecer o que ele disse e terminar logo esse show, pois a única coisa que eu quero agora e botar minha cabeça no travesseiro e dormir.

FIM DO CAPITULO 8



terça-feira, 26 de novembro de 2013

As escolhas de uma adolescente rebelde

POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA


CAPÍTULO 7

                São cinco e meia da manhã, Sandra me avisou que acordaríamos cedo, só não sabia que seria tão cedo, até o sol está dormindo, mas tudo bem; vamos lá, vamos levantar. Hoje será um grande dia, disse minha tia, irei trabalhar com ela no Buffet, rodaremos a cidade para visitar algumas clientes importantes e voltaremos somente ao entardecer. Ainda bem que o dia será de sol, assim afirma a simpática apresentadora do telejornal.
                A um grande tumulto nos corredores de casa, é Lucas gritando para Carlinhos sair logo do banheiro, Ricardo perguntando a Sandra onde ele deixou a gravata, Sandra vestindo sua camisa enquanto faz o café da manhã, depois gritando para Carlinhos não enrolar no banho e mostrando que a gravata de Ricardo está no pescoço dele. Agora eu entendo o porquê de acordar tão cedo.
Peguei a espátula da mão de minha tia e terminei de fritar os ovos, de passar o café e de espremer o suco de laranja do Carlinhos, com isso Sandra pode terminar de se vestir. Estava terminando de arrumar a mesa quando Lucas apareceu e me beijou na bochecha.
– Beck! Você pode me ajudar? – Ele estendeu os dois braços para que eu abotoasse os botões da manga.
– Vai a algum culto vestido assim?
– Quase isso! Apresentação do TCC! – Ele levou a brincadeira na esportiva.
– Vai se formar em quê?
– Direito – Ele não parecia empolgado.
– Pensei que queria ser músico? – Lembro que ele me falou sobre isso numa noite, depois do jantar em uma das muitas vezes que ele nos visitou em Peruíbe.
– Eu não desisti da música, Direito é só um... Adicional.
Enxuguei as mãos em um pano de prato e comecei a abotoar a primeira manga. Dei uma olhadela para ele e, lá estava seu sorriso discreto e seus lindos olhos me fitando – Lucas é tão alto que minha cabeça não passa de seu peito que por sinal... Está perto demais.
– Pronto! – Disse me afastando de seu delicioso perfume.
– Falta a outra! – Lembrou-me com aquele sorrisinho de novo.
Puxei seu braço pela manga da camisa com certa rudeza e abotoei, arquejando e fitando seu rosto debochado.
– Não falta mais.
Virei às costas para Lucas e fiquei trocando os objetos na mesa só para parecer que eu estava ocupada de mais para dar atenção, mas ele continuou parado, até que começou.
– Não acredito! Morangos! Eu adoro morangos!
Ele pegou dois morangos e abocanhou metade de um.
– Está uma delicia, coma um! – Ele empurrava o outro morango que pegou para minha boca.
– Agora não, vou esperar os outros.
– Qual é o problema Beck? Tem uma caixa cheia, ninguém vai se importar se você comer um antes.
– Está legal! Só um e você me deixa em paz! Ok?
Lucas era um idiota, fez aviãozinho com a fruta e depois puxou de volta.
– Espera! Vou colocar um pouco de mel, isto vai ficar uma delicia – O garoto ria como um perfeito idiota mesmo – Mmmm! Agora sim! Abre o bocão.
– Acaba logo com isso!
– Quietinha! – Eu não acredito que ele estava fazendo isso, sério...
A idiotice do aviãozinho de novo e o obvio aconteceu, o babaca não me deu o morango e engoliu a fruta de uma só vez.
– Eu tinha razão, estava uma delícia – Lucas dava gargalhadas.
– Há, há, há. Que engraçado juro que vou rir até amanhã.
– Pode ser, mas eu tenho uma ideia melhor – Agora ele coloca as mãos na minha silhueta. Meu corpo tremeu.
– Esteja bem bonita hoje à noite, vamos sair.
– Não acho que seja uma boa ideia! – O que será que ele está aprontando? Não confio nele, só penso no dia em que ele contribui com a piada de mau gosto daqueles moleques patéticos.
 – Quem disse que é um pedido? – Ele não me deu a chance de resposta, simplesmente virou as costas e saiu.
Eu não demorei em me arrumar, coloquei meu All Star preto de cano longo, uma saia colegial de listras vermelhas e pretas e uma camiseta, também preta sem estampa. Deixei meus cabelos soltos e úmidos e fiz minha maquiagem de costume.
Lucas pegou carona com o pai – Vendo um ao lado do outro eu não sabia dizer qual dos dois era o mais bonito, pois mesmo Ricardo tendo seus quarenta e poucos anos, ninguém diria que ele é o pai de Lucas, no máximo diriam que é um irmão mais velho – Eles entraram no carro, mas antes de partir Lucas disse “Não esqueça o que eu te disse”.
                Realmente não consegui esquecer o atrevimento de Lucas, toda vez que me lembro do convite começo a rir para eu mesma como uma boba alegre... Como uma garotinha apaixo... Não quero nem pensar nessa palavra, nem vou pensar nessa palavra. Tenho sorte que a Sandra tem muita coisa pra fazer e consequentemente eu também.
                Deixamos Carlinhos no colégio, depois fomos direto para o Buffet – Sandra já tinha seis filiais espalhadas pela capital, mas fomos para a matriz aqui mesmo no Alphaville – Ela me disse que  acertou em cheio quando escolheu trabalhar com eventos, ela não quis dizer quanto lucra, mas ouvi uma recepcionista no telefone dizer para um cliente que só tem agendamento disponível para daqui um trimestre, o mais incrível é que o cliente aceitou e fechou uma festa infantil por 20 mil reais. Em menos de uma hora a recepcionista fez no mínimo cinco agendamentos o ultimo foi um casamento que custou no mínimo 100 mil reais.
                Difícil de acreditar, mas as pessoas aqui gastam muito dinheiro só pra alimentar as lombrigas dos playboyzinhos. É hipocrisia eu falar já que agora eu faço parte do mundo deles. Só espero não me tornar uma alienada como muitos... Terei sempre que me lembrar de quem eu sou e o que realmente importa pra mim.
                Prosseguimos com nossas tarefas, encontramos quem tínhamos que encontrar, conversamos, quer dizer, Sandra conversou, porque como sempre minhas roupas causaram repulsa nos olhos dessa socialite metida a besta, mas eu não estou nem aí com essa gente, só quero ser uma ótima companhia para minha tia e ponto final.
                O dia realmente foi cansativo, mas eu não podia nem pensar que ele acabou já que a noite ainda iria começar. Poderia dizer a Lucas que estou muito exausta e então cancelar o compromisso, “só que não”, preciso dessa noite, não que Lucas tem haver com alguma coisa porque ele não tem. Sou uma pessoa movida à música, a uma multidão de pessoas completamente desconhecidas que não querem nem saber como o resto do mundo está ou como vai ser quando o novo dia começar. Que o mar pegue fogo para eu comer baleia assada, hoje todos meus martírios vão ficar em casa.
                – Você está linda Beck! – Disse Lucas.
                Nisso eu tinha que concordar, eu estava linda, não porque eu estava me sentindo ótima no meu jeans básico, na minha Baby Look branca como uma estampa multicolorida, e aquele All Star branco que rabisquei qualquer coisa que não faz sentido pra ninguém, mas pelo fato de que pela primeira vez depois que minha mãe se foi, eu estou me sentindo livre de verdade, aceitando o que aconteceu esses últimos meses. Sempre vou sentir saudades da minha mãe, mas só vou lembrar as coisas boas que a gente viveu, pois sinto que estando em paz, mesmo com a ausência dela é como se eu tivesse libertando ela pra ficar em paz nos céus.
                 Eu te amo mãe... E sei que nunca ficarei sozinha.
                Lucas não diz mais nada só me estende a mão, que diz muita coisa.
                “Vem que eu te protejo”
                Eu agarro a mão dele com toda firmeza e deixo que me leve.


FIM DO CAPITULO 7


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

As escolhas de uma adolescente rebelde

POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA


CAPÍTULO 6

Está um dilúvio lá fora. Passei a manhã colocando as coisas no lugar, o quarto de hospedes ficou pronto graças ao Lucas que fizera isto enquanto eu visitava Peruíbe. Sandra não pediu isso a ele, pois ela comentou algo sobre nós duas trabalharmos nisso - Será que o menino está tentado me impressionar? – Não tive tempo de vê-lo ainda... É até estranho falar isso já que somente um andar divide a gente, mas Lucas não é do tipo que para em casa, contudo não o vi sair do quarto hoje, nem pra tomar café. Talvez eu faça uma visita, assim eu retribua o favor.
Tomei a liberdade de passar um café, pensei, já que vou ficar de molho em casa que seja com uma caneca bem cheia e um ótimo som do meu violão. Apesar do tempo eu ainda não esqueci como se toca.
Havia uma canção que minha mãe sempre me pedia para tocar, True colors, Cyndi Lauper, modéstia parte eu decorei a musica em dois dias porque além da minha mãe , eu também adorava! Ela sempre chorava quando eu cantava o refrão... Planejei cantar uma última vez no enterro dela, mas eu tinha perdido a voz naqueles dias de tanto que  gritei por ela em seu leito quando ela me deixou.
Droga! Tocar era para ser uma coisa boa em um dia cinza como o de hoje, desanimei.
Ricardo está esparramado no sofá dando risadas de uma serie na TV, completamente distraído com o conteúdo do programa e as piadas do apresentador, talvez não seja uma boa ideia eu interrompe-lo com um diálogo mesmo a gente não ter tido nenhum desde o dia que cheguei.
Sandra tirou o dia para ficar com Carlinhos, o garoto tem passado a semana em uma carência peculiar da idade dele, saíram ainda quando era alvorada. Achei justo ela não ter me convidado, eu mesmo no lugar dele não ficaria a vontade, mas confesso que Sandra se tornou pra mim uma companhia agradável, hoje nossas conversas seria um ótimo isolante para minha solidão. Vou ter que improvisar.
Passei despercebida por Ricardo e fui para cozinha, joguei uns biscoitos de chocolate dentro de uma pequena travessa e corri para o primeiro andar, ainda despercebida.
O quarto não estava silencioso como eu imaginava... Estilhaços de vidros, sirenes de viatura e gritos de pessoas eram os sons anasalados que saiam do quarto – Chamei juro que chamei, mas ele não atendeu – Meu pulso já estava sentindo o peso da travessa, a porta estava destrancada então entrei.
– Oi? – Eu poderia ter sido melhor.
Lucas deu uma olhadela para mim e rapidamente pausou o jogo na sua TV de 50 polegadas.
– Oi! Está tudo bem? – Lucas me fitava com seus olhos cinzentos sem desviar o olhar, estava completamente a vontade com sua bermuda preta, sua camiseta regata, seus pés descalços no carpete e seus cabelos castanhos arrepiados.
– Pode me ajudar? – Eu me referia à travessa que escorregava da minha mão.
O garoto pegou o objeto como se fosse uma pena e colocou em cima da sua cama.
Estou vermelha... E quando eu fico assim começo a tagarelar.
– Está explicado o barulho de estilhaços, sirene...
– O quê? – Lucas estava boiando.
– O jogo... É muito bom – Ele nem estava mais olhando para a TV.
– Você conhece o jogo? – Pergunta ele.
– O quê? Resident Evil? Você está brincando, esse eu zerei em 5 horas – Está aí, algo que eu faço tão bem quanto tocar violão.
– É impressionante, não conhecia esse seu lado... Como é mesmo? Rebeca! – Lucas deixou escapar um singelo sorriso como se tivesse uma piada muito boa em seu pensamento.
Não respondi, fitei a TV e fiz o personagem do jogo decepar a cabeça do zumbi com um tiro fatal.
– Eu estava errado naquela noite na varanda... Não importa o nome que você adotou ou as vestes que você escolheu usar, eu olho pra você e ainda vejo a mesma garota, nada mudou é só a antiga Ana procurando uma forma de se alto imunizar do que virá em diante. A pergunta é “Pensar em mudar os velhos hábitos vai ajudar?”.
O zumbi pegou e estraçalhou o herói, isso não teria acontecido se as palavras de Lucas não tivessem me perturbado.
– Você morreu!
Que merda ele está falando? Será que é tão difícil de entender que eu escolhi ser chamada de Rebeca pelo fato de que como Ana eu me sentia medíocre? Se para as pessoas minha escolha reflete como uma fragilidade psicológica então eu só tenho uma coisa pra dizer... Dane-se!!!
Realmente... Não quero me imunizar de nada, pois não acho que eu venha aprender algo estando imune a elas, mas eu não preciso dizer isso a Lucas.
– Foi uma distração, mas não vai acontecer de novo, garanto – Roubei um biscoito na travessa e reiniciei o jogo.
– Hey! Pensei que os biscoitos fossem pra mim.
– Eu também! – Estávamos rindo juntos.
Hoje não é um dia para mexer no passado, quero que o garoto ao meu lado seja apenas o Lucas de cabelos arrepiados que sorri com minhas caretas enquanto jogo.
– Está aprendendo seu “Nub”?
– Nub? – Juro que ele não sabia.
– É como eu chamo os principiantes.
Estávamos nos conhecendo de novo e redescobrindo nossas qualidades, mostrei a ele como joga e ele retribui me mostrando como acertar o tempero do molho da lasanha que ele fez para o almoço.
Dividimos o sofá com Ricardo e passamos o resto da tarde assistindo TV e rindo das piadas sem graça dele.
Já era crepúsculo quando Sandra chegou, o sorriso de Carlinhos ia de uma bochecha a outra, ele sentou entre Lucas e eu tagarelando as novidades que encontrou no passeio e minha tia cedeu ao beijo de Ricardo como uma trégua.
– O que temos para jantar? – Pergunta Sandra.
Aqueles mesmos olhos cinzentos de hoje cedo olhava novamente para mim com toda intensidade. Eu tremi.
– Beck! – Havia um sorriso cínico em Lucas – Topa aprender fazer pizza?
– Agora eu sou Beck? – Lucas deu de ombros – Bora!

FIM DO CAPITULO 6