domingo, 9 de fevereiro de 2014

As escolhas de uma adolescente rebelde

POR THIAGO ARAÚJO PEREIRA



CAPÍTULO 10

Daqui a uma semana começa as aulas, acho que por isso a galera da república planeja dar uma festinha para os novatos hoje à noite – Isso foi o que Fatinha disse pela manhã – Odeio noticias de última hora, logo hoje que vou passar o dia inteiro fora trabalhando com minha tia.
Ontem, tivemos tanto trabalho que fomos obrigadas a comer fora, foram dois hot dogs para cada uma, os lanches enganaram a fome legal, mas só até chegar em casa, ás 23hs e tantas.
Confesso que o trabalho é um pouco estressante, mas Sandra conseguia me entreter com suas histórias, o tempo passava tão rápido com ela que quando eu parei para notar, já estávamos no fim da semana.
Depois de uma semana inteira de trabalho eu estava merecendo mesmo uma noite de euforia – Fatinha pelo menos me fez acreditar que essa seria a vibe – Mas havia um problema... O tempo.
– Tia! Será que conseguiríamos chegar em casa antes 19 horas?
– Bom! Talvez se meu carro voasse sobre esse rio de automóveis que anda um metro a cada 10 minutos, só assim será possível – O suor escoria no rosto estressado dela – Por que você não me falou que tinha compromisso hoje à noite – Perguntou ela com a voz fadigada.
– A verdade é que eu disse, por duas vezes.
– E o que foi que eu respondi?
– Alguma coisa parecida com... “Não se preocupe”.
– Foi o que eu pensei – Disse ela decepcionada – Pense pelo lado bom, você vai chegar no horário em que a festa começa a ficar boa. Por volta da meia-noite?
– Você não está falando serio, está? – Perguntei.
– É claro que não – É óbvio que não, minha tia não ficava me alugando, mas seria de mais deixa-la tão preocupada.
Olhei para a gigante fila de carros e logo me conformei com a situação, encostei minhas costas no banco, coloquei meu fone de ouvido e apertei o play do meu celular e relaxei, relaxei até o momento em que a Sandra começou a falar.
– Eu já sei o que vou fazer?
O carro deu um tranco, seguido com o ronco do motor, testemunhei Sandra jogar o carro para cima da calçada e fazer o retorno na pista contrária, onde o transito fluía bem. Em meio minuto Sandra para o carro de novo, mas agora no estacionamento do Metrô.
Corremos para a plataforma, lá Sandra me devolveu a esperança de curtir a confraternização da minha amiga Fatinha.
– Agora nós iremos chegar tão cedo, que você vai ficar entediada de tanto esperar pela hora certa de sair de casa – Disse minha tia ofegante.
As estações passavam rápidas e os ponteiros do relógio pareciam nem se mexer, parece que minha tia não exagerou quando disse que nós chegaríamos cedo. Estou mais tranquila.
– Sabe que essa correria me fez lembrar-se de uma situação que tive no passado – Começou Sandra, rindo da lembrança.
– Qual? – Eu estava rindo junto com ela de algo que eu nem sabia o que era.
– Foi o dia em que eu conheci seu tio Ricardo – Ela sorriu de novo – Quem nos conheceu naquela época não nos reconheceria hoje.
– “Putz”! Eu e o Ricardo éramos dois nerds escrotos. “Se liga!” Eu estava nervosa para apresentar meu TCC e então passei a noite relendo o trabalho, acordei no dia seguinte daquele jeito, vesti uma roupa qualquer como de costume e corri para a faculdade, senti o cheiro irresistível do pãozinho de queijo vendido na porta do Metrô, uma delícia. Comprei o combo que acompanhava o maior copo de café expresso e corri para plataforma com toda aquela tralha, mas o seu tio tinha que aparecer do nada para esbarrar em mim, então ambos tomamos banho de café expresso.
– Que desperdício.
– Eu fiquei louca, a vontade que eu tinha era de acertar a cabeça dele com alguma coisa, mas quando eu olhei para ele e vi que estava na mesma situação eu travei a língua. Deixei acumular tanta raiva que desabei em lágrimas na frente dele, lamentei por ter sujado ele e por ter encharcado seu livro de “Direitos trabalhista” de mais de mil páginas.
– Mas e aí?
– Ele não pareceu se preocupar com o que aconteceu com ele, mas não parou de pedir desculpas, não achou suficiente me levar em uma loja e comprar roupas para mim, ele assistiu minha apresentação do TCC e fez questão de almoçar comigo todos os dias só para constatar de que eu estava melhor.
– Ele estudava na mesma faculdade?
– Coincidência não é mesmo? Só sei que ele grudou em mim de uma forma que acabamos ficando juntos até hoje.
– E onde estava o Lucas nessa época?
– Ele estava morando com a mãe dele, a Lívia, mas um dia ela surtou e entregou o filho para o Ricardo e foi viver seu sonho de atriz na Europa... É claro que isso é outra história.
Eu já estava em casa de banho tomado e pronta para me vestir. Sandra me ajudou a escolher a roupa desta noite, não foi nada de inacreditável.
– Vou ligar para Amanda, hoje ela vai ficar até mais tarde no escritório, lembrei que a chave reserva do carro está lá.
– Vai pedir a ela para buscar o carro?
– Sim, Amanda é um amor, sempre me salva na hora que preciso.
Estava sozinha no quarto terminando de me arrumar quando encontrei meu par de brincos, foi minha mãe quem me dera. Lembrei-me do que ela havia dito – “Filha!” “Eu te amo, lembre-se disso sempre” – Tenho certeza que quando ela falou isso, já estava sabendo da leucemia.
– Gostei dos brincos! – Disse Sandra no instante em que desligava o celular.
– São os meus favoritos... – Prometi para minha mãe que eu usaria os brincos em ocasiões especiais, hoje é especial por causa da Fatinha, minha melhor amiga, mas ainda não acho que seja o momento para usa-los –... Mas hoje eles vão ficar na caixinha.
– Tudo bem! Agora vamos? Vou deixar você lá. Lucas foi ao trabalho com Ricardo e deixou o carro dele em casa. Você está com o endereço.
– Sim!
Sandra conhecia a cidade muito bem, por isso que ela seguiu por caminhos que não se encontravam com o transito caótico de São Paulo.
– Se importa se eu ligar o rádio? – Perguntou ela.
– Não!
A música começou a tocar, era um rock nacional, a vocalista cantava muito bem e a letra era incrível.
Ficamos ouvindo a música sem dizer uma só palavra, quando a canção acabou ela disse.
– Ela tem razão... Essa tal de Pitty... “Não deixe nada pra depois, não deixe o tempo passar, não deixe nada pra semana que vem, porque semana que vem pode nem chegar”
Suspirei.
– Chegamos! – Disse ela.
Saí do carro e caminhei alguns passos, mas voltei para dizer...
– Esse é o plano! Obrigada!


FIM DO CAPÍTULO 10